sábado, 10 de novembro de 2012

Agora, o Alva vai apressado


O "meu" rio vai com pressa de chegar à foz e alarga as fronteiras do território que lhe pertence. Na imagem, há sinais de duas  cheias, paus e folhas amontoadas, como se fossem trilhos conhecidos de outros outonos e agora revividos pela força do pensamento  de quem tem do Alva a memória de outras barrigas, maiores do que estes sinais na erva molhada; tempos houve em que as águas rasgavam as margens - ficavam  os sulcos como sinais  de terra lavrada...

domingo, 28 de outubro de 2012

Sob a batuta do rio Alva

Choveu em demasia e o leito do rio Alva  não suportou o aumento do caudal. Com as águas revoltas e a transbordar vieram os detritos: pedaços de árvores e árvores inteiras, arrancadas pela raiz, lixo renascido da incúria humana, e a imensidão de água tingida de negro.
Tenho à mão dois locais de fácil acesso para olhar o "meu" rio: o Urtigal e a ponte que junta as margens de  duas freguesias: Barril de Alva e Vila Cova de Alva. Durante a calmaria da tarde de sábado, visitei ambos. 
No Urtigal, a água, quando é muita, desmultiplica os sons, aparentemente de forma distinta, consoante os solavancos da corrida que tem a meta no Mondego: primeiro, no caneiro, depois, junto à fonte, quando dobra a altura das pedras que se amontoam na margem direita, a estereofonia é tão real como se os ruidos fossem  misturados numa consola  multipistas a gosto de quem manipula os botões; na ponte, o rio é  manso, embora se perceba  que vai apressado, de barriga cheia...  
Na ponte, visto de cima, o Alva tem outra cor, não veste tanto de negro, mostra tons cinzentos, alguma espuma esbranquiçada. Ali, pela ausência de obstáculos no percurso, os sons  chegam suaves aos meus ouvidos  - nada me diz que tanta água é capaz de arrancar choupos pela raiz, mover rodas de  moinhos, suavizar os seixos, trazer a morte e contribuir para o crescimento dos milheirais que, em tempos, vestiam de verde  as margens, As plantas cresciam alinhadas,  como soldados na parada - agora, os terrenos, na sua maioria, estão vazios de utilidade, sobram os pastos...
Houve tempos em que quatro rodas de alcatruzes, junto à ponte, faziam parte da mesma orquestra, que tinha o rio como maestro, Se afinavam pelo mesmo diapasão, já não é da minha memória - apenas reservo a lembrança de melodias suaves, ao jeito dos lamentos do violino  de Travadinha, um dos maiores músicos de Cabo Verde, ou do clarinete do "ti" Abílio Ribeiro, ilustre  filarmónico da Banda da minha terra...

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Viajar à boleia

Mesmo por cima da minha cabeça, mas  a muitos metros de altura, uns quantos aviões, diariamente,  insistem em percorrer os mesmos caminhos, entre a partida e a chegada; eu estou no "meio"  da  provocação  dos meus sonhos: Açores e Maputo são os  "próximos destinos", mas ninguém os adivinha, e como não tenho maneira de me fazer ouvir daqui de baixo, os aviões nem "param" para a boleia que lhes peço,  dedo grande no ar...



quarta-feira, 18 de julho de 2012

Urtigal: à imagem da minha infância


O O meu sítio, Barril de Alva, tem recantos que, fosse eu poeta, havia de imortalizar em palavras nunca somadas em verso, com ou sem rima - bastaria que, em mim, houvesse engenho e arte para transformar o belo do pensamento, impossível de publicar...
O Urtigal exerce tal fascínio que me transporta nos silêncios de quando me sinto solitário, voluntariamente abandonado
Aqui, no Urtigal, nem solidão, nem abandono - basta o rio que me remete para curtas memórias de infância.
- O rio, o "meu rio", sempre de barriga cheia nesse tempo, tinha barulhos inexplicáveis. É por isso que "pinto o caneiro" em tons  escuros. 
Possivelmente contínuo criança...

sábado, 12 de maio de 2012

Coimbra "nunca vista"

 Imagine-se um "puto", após dois exames semelhantes, da quarta classe e da admissão ao liceu, ir de abalada até Coimbra sem nunca ter saído da aldeia; isto é: os meus  passeios, de tão curtos no tempo, não proporcionavam grandes conhecimentos das coisas  e dos lugares- passeios desses  contabilizei vários, incluindo um a Viana do Castelo, por ocasião das Festas do Senhor da Agonia. 
E tinha ido a Lisboa em tempo indeterminado na minha memória...
Coimbra  era um  sonho do meu tamanho, pequeno, sem dúvida, mas não deixava de ter a importância da ideia que alguns companheiros das brincadeiras do arco, do pião ou dos futebois no largo da escola, fizeram florir enquanto crescia na idade. Coimbra, aqui tão perto, enfim, era o tudo do muito que sabia existir pela leitura das brochuras publicitárias. 
Coimbra era a Universidade, o liceu, a escola técnica - destinos certos para quem, com posses económicas, procurava  fontes do conhecimento. E havia o Seminário, que transformava meninos em homens vestidos de preto, bem falantes, como o padre Januário,  que ao domingo, dizia a missa numa linguagem  imperceptível, menos o discurso sobre regras e boas maneiras, em nome de Deus e dos  Santos. Eu, confesso, sentia alguma atracção pelo sacerdócio, ao estilo do padre Januário, mas preferia desenhar, pintar, retratar,  como tentei certa vez ao reproduzir o rosto da avó Virgínia no papel; a boa vontade de quem olhava, afiançava semelhanças...
Finalmente, Coimbra!
Primeiro, uma visita rápida à casa situada na rua João Jacinto, ao Quebra Costas, para conhecer as pessoas com quem iria partilhar o meu novo tempo de estudante, após registo no liceu  D. .João III, depois a viagem definitiva para o desconhecido. Entre idas e vindas periódicas à aldeia, durante  o ano lectivo,  armazenei  aprendizagem quanto baste  para me apaixonar pela cidade e estilo de vida dos estudantes.
... E havia o campo de futebol, bem junto ao jardim da Sereia, o Santa Cruz, para onde corria sempre que  a ausência de um ou outro professor  o permitia; se havia jogo combinado, fazia gazeta às aulas!
Na casa ao lado daquela onde morava havia um lar de raparigas, das crescidas, adiantadas nos estudos. Certa noite, acordei com o som das guitarras; depois, uma voz timbrada  de homem feito trouxe aos meus ouvidos estranha melodia . 
Foi então que descobri Coimbra nunca vista pelos olhos da alma de um "puto"de dez anos, nascido e criado na  aldeia...


sábado, 5 de maio de 2012

Diligência para Coimbra com retorno

Subsídio para a história dos transportes públicos de Arganil

        O meu amigo Abel Ventura Fernandes, através do  Facebook, comentou a imagem que captei algures em Arganil e agora reproduzo. Pela importância do relato, destaco-o com a devida vénia.


Embora sumido, um pequeno dístico fixo no veículo atesta a sua anterior propriedade

"Esta charrete faz parte da história dos transportes públicos, de que Arganil foi pioneira, através da empresa (salvo erro) Eduardo Jorge, mais tarde Empresa Automobilística Arganilense, empresa desaparecida, por ter sido comprada por uma outra empresa dos lados de Pedrógão Grande.  
Esta charrete foi utilizada para transporte de passageiros em viagens entre Arganil/Coimbra e volta, era puxada por 2 cavalos, bestas que eram revezadas em Ponte Mucela, onde a empresa de então tinha uma cocheira para descanso e alimentação dos animais. Tudo isto são coisas que  foram transmitidas boca a boca, quando pertenci a  uma equipa que nos finais dos anos 70 e durante os anos 80, no Grupo Folclórico da Região de Arganil, fez pesquisa e recolhas para o património de danças, cantares e outras tradições desta região. Naturalmente, foram surgindo várias estórias  a que  dedicámos pouca importancia (foi o caso), e não ficou registo, daí  a informação que reproduzo não ser perfeita e completa, terá algumas imprecisões.
Esta pequena diligência foi doada ao G.F.R.A. através da minha falecida mãe (MARILÚ), Mª de Lourdes Mendes Ventura, que era a Presidente do Grupo, pela família,  já falecida,  de Eduardo Jorge e José Jorge. O veículo encontrava-se num barracão de uma quinta, ali para os lados da Alagoa. Na altura,  pensou-se recuperar totalmente  a peça,  não aconteceu...  e assim se mantém  até aos dias de hoje".
Abel Fernandes

domingo, 29 de abril de 2012

Vitorino Nemésio - "guardião" de memórias








Para os lados de Penacova, no alto da serra da Espinheira, um conjunto de moinhos  traz à memória estórias de lutas imaginárias. 
 - E veio Dom Quixote, nas asas  da pena de Miguel de Cervantes, sonhar uma qualquer Dulcineia, que deve ter andado por aqui, disse eu para o João...


Mais real, quanto a beleza do lugar, a luta dos moleiros pela sobrevivência, serra acima, serra abaixo, permite recordações de quem as sabe de cor. Por especial razão, Vitorino Nemésio é "guardião" de memórias





terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

“Quem conta um conto, acrescenta um ponto"


O Moleiro do Barril

Das lendas sobre o Barril (de Alva) que foram passando de boca em boca, escolhemos esta por sugerir alguma coerência.
Reza a história que, existindo este lugar sem denominação conhecida,certo dia, o rio Alva teve grande cheia. Um moleiro, ao reparar que as águas arrastavam barris de vários tamanhos, pegou numa vara e, com ela, conseguiu tirá-los para a margem.
Nesse ano, a produção de vinho foi de tal modo elevada que as pessoas esgotaram o vasilhame e recorreram ao moleiro, com quem fizeram negócio. Por essa razão, passou a ser conhecido pelo "Moleiro do Barril".
Diz-se ainda que o dito moleiro tinha três filhas; depois de casarem, ficaram a viver em três locais diferentes: uma no Casal Cimeiro, outra no Casal do Meio e a terceira no Casal Fundeiro, dando origem às povoações da freguesia
De concreto, não existe certeza sobre a fundação do lugar. Sabe-se que em 1527 o Cadastro da População do Reino, realizado a mando do rei D. João III, referia que o Barril pertencia ao termo de Coja e contava 10 fogos. Em 1727, segundo o padre Luís Cardoso, o Barril tinha "... vinte e nove vizinhos".
Por volta de 1721 já existiam na povoação (ou seriam três pequenos povoados?) as ermidas de S. Simão, S. Aleixo e Santa Maria Madalena.
Das verdades conhecidas, importa destacar a data de 25 de Julho de 1924: a então povoação do Barril assumiu a sua independência política, na sequência do seguinte projecto-lei redigido pelo democrata e antigo ministro da 1ª República, Alberto de Moura Pinto:

            Artº. 1º - É desanexada da freguesia de Vila Cova Sub-Avô, concelho de Arganil, a        povoação do Barril, a qual passará a constituir uma freguesia, denominada Barril de   Alva, ficando as duas freguesias delimitadas entre si pelo rio Alva, afluente do   Mondego.
            Artº. 2º - A freguesia de Vila Cova Sub-Avô passará a denominar-se Vila Cova de          Alva.
            Artº. 3º - Fica revogada a legislação em contrário.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Posso ajudar?

A Mariana trabalhava na Livraria Académica e usava os cabelos compridos.
Perdi o conto às visitas que fiz à livraria, na esperança de ser ela a ouvir os meus pedidos de coisas simples: lápis, borrachas, papel cavalinho, aguarelas...
Quando não estava necessitado de nada, teimava em continuar cliente de leituras, embora curtas. Foi assim que conheci Mário Sá Carneiro, António Botto, Alves Redol e tantos outros autores portugueses
A estratégia era simples: para que a Mariana viesse ter comigo, entrava na loja e ia direitinho à estante das obras menos procuradas. E ela vinha, mesmo depois de se ter apercebido da marosca, com um sorriso malandro.
- Posso ajudar?
Poder, podia, mas a ajuda necessária não tinha nada a ver com esclarecimentos sobre as obras expostas.Talvez se falasse do tempo que fazia lá fora, do "single" musical em voga ou de qualquer coisa que me fizesse ganhar coragem, eu teria saído do canto da minha timidez e declarava-me... "apaixonado"!
A Mariana foi sempre muito profissional no seu papel de balconista e nunca passou do cumprimento de circunstância e da frase sempre igual:
-Posso ajudar?
Eu, como não tinha asas para voar para outras conversas, fiquei cativo da timidez e ela nunca soube da minha "paixoneta"... adolescente.
(Novembro/06)

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Tarde de domingo

O Nokia X3 permitiu esta  imagem quando o sol caminhava para o fim da tarde. Sim, é o Barril de Alva,  que se recomenda.