Choveu em demasia e o leito do rio Alva não suportou o aumento do caudal. Com as águas revoltas e a transbordar vieram os detritos: pedaços de árvores e árvores inteiras, arrancadas pela raiz, lixo renascido da incúria humana, e a imensidão de água tingida de negro.
Tenho à mão dois locais de fácil acesso para olhar o "meu" rio: o Urtigal e a ponte que junta as margens de duas freguesias: Barril de Alva e Vila Cova de Alva. Durante a calmaria da tarde de sábado, visitei ambos.
No Urtigal, a água, quando é muita, desmultiplica os sons, aparentemente de forma distinta, consoante os solavancos da corrida que tem a meta no Mondego: primeiro, no caneiro, depois, junto à fonte, quando dobra a altura das pedras que se amontoam na margem direita, a estereofonia é tão real como se os ruidos fossem misturados numa consola multipistas a gosto de quem manipula os botões; na ponte, o rio é manso, embora se perceba que vai apressado, de barriga cheia...
Na ponte, visto de cima, o Alva tem outra cor, não veste tanto de negro, mostra tons cinzentos, alguma espuma esbranquiçada. Ali, pela ausência de obstáculos no percurso, os sons chegam suaves aos meus ouvidos - nada me diz que tanta água é capaz de arrancar choupos pela raiz, mover rodas de moinhos, suavizar os seixos, trazer a morte e contribuir para o crescimento dos milheirais que, em tempos, vestiam de verde as margens, As plantas cresciam alinhadas, como soldados na parada - agora, os terrenos, na sua maioria, estão vazios de utilidade, sobram os pastos...
Houve tempos em que quatro rodas de alcatruzes, junto à ponte, faziam parte da mesma orquestra, que tinha o rio como maestro, Se afinavam pelo mesmo diapasão, já não é da minha memória - apenas reservo a lembrança de melodias suaves, ao jeito dos lamentos do violino de Travadinha, um dos maiores músicos de Cabo Verde, ou do clarinete do "ti" Abílio Ribeiro, ilustre filarmónico da Banda da minha terra...
Houve tempos em que quatro rodas de alcatruzes, junto à ponte, faziam parte da mesma orquestra, que tinha o rio como maestro, Se afinavam pelo mesmo diapasão, já não é da minha memória - apenas reservo a lembrança de melodias suaves, ao jeito dos lamentos do violino de Travadinha, um dos maiores músicos de Cabo Verde, ou do clarinete do "ti" Abílio Ribeiro, ilustre filarmónico da Banda da minha terra...
Sem comentários:
Enviar um comentário